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O Processo de Luto

  • Foto do escritor: Christiane Romano
    Christiane Romano
  • 13 de set. de 2023
  • 4 min de leitura

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Segundo Parkes (1998), luto é a expressão dos vínculos que as pessoas estabelecem umas com as outras e que, em última análise, têm suas raízes na infância (p.15). Sem incorrer em simplificações de um processo tão complexo, este autor institui momentos pelos quais a pessoa enlutada pode vir a passar para se recuperar da perda e os chama de “fases do luto”, ressaltando que estas não correspondem a uma sequência fixa de eventos e/ou sensações.

“Parte da dificuldade de colocar o luto entre as categorias de doenças descritas deriva do fato de ele ser um processo e não um estado. Não é um conjunto de sintomas que tem início depois de uma perda e, depois, gradualmente se desvanece. Envolve uma sucessão de quadros que se mesclam e se substituem. (Parkes, 1998 p.24)

Assim, o enlutado pode vir a passar pelo entorpecimento, dando lugar à saudade ou procura pelo outro e a seguir passar por uma fase de desorganização e desespero, e por fim chegar à recuperação (Parkes, 1998 p.24).

A primeira fase, de entorpecimento, pode durar de poucas horas a alguns dias e pode vir acompanhada de repentes de extremo sofrimento. Nesse momento, o enlutado frequentemente fica em choque e tem dificuldade para acreditar que aquilo está acontecendo. A descrença na realidade da morte é expressa em frases como “só fui acreditar quando vi o corpo dele na segunda-feira” e “não registrei tudo o que aconteceu. Não parecia real” (Parkes, 1998: 88).


Além da descrença e entorpecimento, Parkes (1998) descreve outros mecanismos de defesa presentes no processo de luto como a sensação da presença; o sonho de enlutamento; o aparecimento de sintomas físicos; a despersonalização (quando a pessoa enlutada pensa que ela própria é irreal) e a desrealização (o mundo é que parece irreal para a pessoa enlutada); a evitação de pensamentos sobre a perda e o esquecimento seletivo (a imagem do morto some da consciência, por exemplo); além do excesso de atividades e outros. (pg. 86-98).

Durante a fase seguinte, de anseio e busca da figura perdida, o enlutado começa a se dar conta de que a morte do ente querido é real, então passa a ter momentos de aflição e choro. Ele se empenha então em procurar pela pessoa perdida a fim de tentar recuperá-la, ainda que tenha a consciência de não há sentido nessa busca. A sensação de que o morto ainda está presente é comum e a percepção do enlutado é ajustada de tal forma que o mínimo sinal parece indicar seu retorno.


"Uma mulher procura ansiosamente por seu filho; movimenta-se sem descanso pela casa, procurando em lugares nos quais pensa poder encontrá-lo. Ela tem uma aparência infeliz, não percebe que seu cabelo está despenteado. Pensa constantemente no filho e, quando ouve um estalido na escada, imediatamente associa-o a ele. “João é você?”, pergunta. (Parkes, 1998: 69)

A fase da desorganização e desespero se dá quando o enlutado se se dá conta da irreversibilidade da perda e tem sentimentos de angústia, depressão, e desesperança. A esta fase, no geral, segue-se o período de reorganização, que é quando o indivíduo se adapta à perda e começa a retomar o seu funcionamento normal.


Parkes (1998), defende que cada uma das fases descritas acima tem suas características, mas que há diferenças consideráveis de uma pessoa para a outra em duração e forma, o que torna o luto uma vivência muito pessoal. Porém, ainda assim, afirma haverem padrões comuns que justifiquem este ser considerado como um processo psicológico distinto.


Como parte da elaboração adequada do luto e consequente recuperação, Parkes (1998) formula a teoria das Transições Psicossociais, definindo estas transições como mudanças que ocorrem em nosso mundo interno ao experienciamos o luto ou outras experiências de perda, as quais podem ser submetidas a semelhante processo, como o divórcio, por exemplo. Tais mudanças focalizam hábitos e pensamentos que consolidamos ao longo da vida e que, em virtude, da perda precisarão ser revistos e/ou modificados. O autor ressalta ainda que esse processo demandará tempo e esforço.


“Quando alguém morre, uma série de concepções sobre o mundo, que se apoiavam na existência da outra pessoa para garantir sua validade, de repente passam a ficar sem essa validade. Hábitos de pensamento construÌdos ao longo de muitos anos precisam ser revistos e modificados; a visão de mundo da pessoa precisa mudar. (...) A perda da pessoa amada inevitavelmente cria uma série de discrepâncias entre nosso mundo interno e o mundo que agora passa a existir. Isto é verdadeiro não apenas superficialmente (Quem vai estar lá quando eu chegar em casa à noite?), mas também de forma mais aprofundada, acerca das concepções básicas (Se não sou mais uma pessoa casada, o que sou, então?)” (Parkes, 1998: 114-115).

A transição psicossocial permitirá ao enlutado assumir uma nova identidade e apropriar-se de um novo modelo de mundo, papéis e repertórios de soluções para os problemas que enfrentará em sua vida. No entanto, quanto mais tempo levar para que tais mudanças ocorram, mais difícil será para o enlutado se adequar à nova realidade que se impõe e mais prolongado o processo de luto será.


 
 
 

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